terça-feira, 10 de julho de 2012

Hierarquia

Uma das questões mais importantes dentro de um templo afro-religioso é a hierarquia.

Toda a hierarquia afro-religiosa está assentada no princípio filosófico da senioridade, ou seja, do iniciaticamente mais velho para o mais novo. Ao contrário da sociedade capitalista em que vivemos, onde os idosos são vistos como um ônus social, para a religião de matriz africana eles são os baluartes do conhecimento empírico e devem ser profundamente respeitados e venerados, pois são os seres humanos vivos mais próximos dos ancestrais.

Mas além de seguirem a filosofia da senioridade, as religiões de matriz africana, como o Batuque, são religiões iniciáticas, e como tal existem níveis de iniciação que são muito respeitados. A seguir explanaremos os níveis iniciáticos adotados no Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre, do mais simples para o mais complexo.

Leigo: é o não-iniciado. São as pessoas que acreditam e têm fé nos Òrìṣà, mas que ainda não passaram pelo processo iniciático. Podem visitar o templo nas festas públicas e consultar Ifá para organizar suas vidas sem qualquer outro tipo de compromisso.

Abíyán: é toda pessoa que entra para o Batuque após ter passado pelo ritual de lavagem de cabeça com uma efusão de ervas maceradas em água chamada omièrọ. Também é chamado de filho de santo e poderá ser iniciado ou não. É considerado um vivenciador da religião, mas seu comprometimento com o culto é mínimo e o conhecimento é restrito à questões teológicas e filosóficas. Tem poucas possibilidades de participação no culto, não podendo participar ativa ou diretamente da maioria dos rituais. Também não pode aprender detalhes do culto, nem participar de trabalhos espirituais. Em termos práticos, fica incumbido de tarefas simples como a limpeza e manutenção da infraestrutura da casa, o que lhe garante o aprendizado da humildade. Essa fase é muito importante para se aprender vendo e ouvindo, as perguntas não são muito bem vindas, observar e saber ouvir é a melhor maneira de aprender, quando um mais velho se dispôr a falar e contar, abaixe-se e preste atenção, não interrompa, escute e grave. Existem três níveis de feitura de um abíyán:
  1. Omièrọ: é a pessoa com o nível mais baixo de obrigação, pois apenas tem a cabeça lavada com ervas maceradas e água. O termo significa "água que apazígua" no sentido de acalmar, tranquilizar o Orí, a cabeça mítica, nossa ligação com o mundo espiritual. Tem a mesma função do sacramento do batismo para a Igreja Católica, ou seja, a introdução do neófito no mundo afro-religioso.
  2. Oríbíbọ: é a pessoa que cumpriu feitura com ẹiyẹlé (pombos). Embora seja entendido como um nível a mais que o omièrọ, essa feitura é pouco utilizada na Nação Ijẹ̀ṣà, sendo destinada principalmente à crianças e idosos. O termo significa "a cabeça nasce para o alimento". A ideia é de que ao cumprirmos as feituras, estamos alimentando a nossa cabeça mítica, ou seja, fortalecendo-a, e esta é a primeira vez que isto acontece, por isso "nasce".
  3. Bọrí: é a feitura mais importante na tradição batuqueira, pois quem a cumpre estabelece uma relação mais pessoal com o seu Òrìṣà garantindo um relacionamento mais profundo. Esta feitura também é escatológica, pois garante longevidade e uma pós-vida plena. A feitura de bọrí está intimamente relacionada a noção ontológica de humanidade (ser físico e ser espiritual). O termo significa "alimentar à cabeça", numa alusão ao já mencionado antes. A feitura de bọrí pode ser comparado ao sacramento da crisma para a Igreja Católica.

Ìyàwó: é a denominação dos filhos de santo já iniciados na feitura de Òrìṣà. A pessoa passa a ser um Ìyàwó após um período de quatorze dias recolhida no Ilé. Os motivos que levam a este tipo de feitura dependem de três possibilidades: necessidade; quando o próprio Òrìṣà pedir a iniciação; ou por merecimento devido à dedicação. É nesta fase, que no Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre dura 7 anos, que a pessoa vai ter que aprender as rezas, as cantigas, os preceitos, os segredos só confiados aos iniciados. Este nível iniciático funciona como um seminário que o prepara para o sacerdócio. Tem participação ativa em todos os rituais e trabalhos espirituais onde aprende de tudo. O Ìyàwó é como um diácono ou seminarista que estuda para ser padre.

Ẹ̀gbọ́nmí: refere-se à pessoa que, no Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre, já cumpriu o período de iniciação (7 anos) na feitura de Òrìṣà. Nesta fase o iniciado já é um sacerdote formado com plenos poderes. Pode receber oyè. Em correspondência com a Igreja Católica o ẹ̀gbọ́nmí seria um padre formado.

Ajòyè: são os ẹ̀gbọ́nmí que receberam oyè, os títulos que lhes imputam responsabilidades diretas com o culto. Os ajòyè são divididos em Olóri Ajòyè, Ọ̀tún Ajòyè e Òsì Ajòyè. Os Olóri Ajòyè são os titulados principais e podem ser comparados aos bispos da Igreja Católica. Os Ọ̀tún Ajòyè e Òsì Ajòyè são o primeiro e segundo auxiliares, respectivamente, dos principais e eventualmente os substituem.  Todos os títulos acompanham cargos (exceto Alàgbà) e são vitalícios. No Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre existem os seguintes títulos com seus respectivos cargos:
  1. Olúpọ̀na: sacerdote do culto ao Òrìṣà Bara (só pode ser exercido por filhos homens de Bara);
  2. Olọ̀bẹ: sacerdote responsável pelas imolações (só pode ser exercido por filhos homens de Ògún);
  3. Olọya: sacerdotisa do culto à Òrìṣà Ọya (preferencialmente exercido por filhas de Ọya);
  4. Alágbè: sacerdote masculino encarregado dos instrumentos musicais e cânticos sagrados de todos os Òrìṣà e também nos ritos aos ancestrais (preferencialmente exercido por filhos de Ṣàngó);
  5. lọ́ọ̀sányìn: sacerdote ou sacerdotisa encarregado do culto às folhas, conhecendo seu poder farmacológico e mágico (só pode ser exercido por iniciados no culto à Ọ̀sányìn, segundo a tradição da  Nação Ijẹ̀ṣà do Batuque);
  6. Ìyágbàsè: sacerdotisa responsável pela cozinha (preferencialmente exercido por filhas de Òrìṣà feminino);
  7. Alàṣẹ: sacerdote ou sacerdotisa responsável pelo Ojúbọ, o quarto sagrado onde ficam os assentamentos dos Òrìṣà, o pejí (pode ser exercido por iniciados em qualquer Òrìṣà);
  8. Olúwo: sacerdote ou sacerdotisa responsável pelo culto à Òṣàálá Ọ̀rúnmìlà e que conhece os segredos de Ifá e o sistema de jogo de búzios (só pode ser exercido por iniciados no culto à  Ọ̀rúnmìlà, segundo a tradição da  Nação Ijẹ̀ṣà do Batuque);
  9. Olòjẹ́: sacerdote ou sacerdotisa responsável pelo culto aos ancestrais, os égún (pode ser exercido por iniciados de qualquer Òrìṣà);
  10. Olùkọ́: é o teólogo do Ilé  (pode ser exercido por iniciados de qualquer Òrìṣà);
  11. Bàbáẹgbẹ́ ou Ìyáẹgbẹ́: sacerdote ou sacerdotisa responsável pela administração material do templo (pode ser exercido por iniciados de qualquer Òrìṣà);
  12. Alàgbà: é o Bọrí mais velho do Ilé, o ancião. Embora este seja um título, não possui cargo, nem é necessário que seja iniciado (pessoas de qualquer Òrìṣà podem receber este título);
  13. Bàbákékeré ou Ìyákékeré: sacerdote ou sacerdotisa segundo em comando no Ilé (pode ser exercido por iniciados de qualquer Òrìṣà);
  14. Bàbálórìṣà ou Ìyálórìṣà: é o sumo-sacerdote ou sumo-sacerdotisa. É responsável por todo o Ilé tanto materialmente, quanto administrativamente e espiritualmente. É responsável pelos processos iniciáticos. É o cargo mais importante dentro de um Ilé e é o único que pode acumular todos os outros na falta de pessoas para ocupá-los, por isso mesmo deve ter todos os conhecimentos de todo o funcionamento do Ilé (pode ser exercido por iniciados de qualquer Òrìṣà).
Todos os Olóri Ajòyè formam juntos o Iwáràta, um conselho que administra o Ilé como um todo e que é presidido pelo Bàbálórìṣà ou Ìyálórìṣà.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Campanha no Facebook

As religiões de matriz africana são historicamente vilipendiadas pela sociedade, pelas outras instituições religiosas e até pelo Estado.
Estas ofensas partem de pessoas mal informadas, igrejas ansiosas por demonizar alguém e legisladores vinculados a essas igrejas que criam leis que cerceiam a liberdade de culto garantida pela Constituição do Brasil.

Temos o direito constitucional de escolher que religião professamos.
E exigimos respeito por isso.


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